por Luiz Felipe Pondé, para a Folha
Seria a  vida frágil? Uma aluna me respondeu esta pergunta assim: "A vida  burguesa é frágil". Esse é um erro de quem pensa que a miséria humana  foi inventada pelo capitalismo. Culpa de professores, sociólogos e  filósofos. O capitalismo é apenas uma face da fragilidade. Mas pensar  que a vida seja frágil apenas quando é burguesa é também uma forma,  ainda que chique, de se enganar.
Pensar que a vida melhorou na  modernidade me parece também um engano. Como me lembrou um aluno  recentemente: "As soluções modernas para a vida são como remendos em  feridas incuráveis" (mais ou menos isso), diria o filósofo romeno  radicado na França Émil Cioran (século 20).
Mas como é boa a  vida das pessoas simples! Não me refiro necessariamente aos pobres, para  quem café da manhã, almoço e janta resumem a esperança e o ideal do dia  a dia (e nem é apenas assim, porque figuras como Jesus e espíritos  afins os ajudam no dia a dia). A vida deles não me parece fácil nem um  pouco.
Refiro-me a quem lança mão de artifícios (valores da  moda, teorias políticas, marketing de comportamento, concepções prontas  de mundo e similares) para enfrentar a falta de sentido das coisas. O  sentido da vida se arranca das pedras e não dos céus ou das teorias. Os  lábios dos que buscam sentido estão secos como os de quem vaga por um  deserto. Quer um exemplo de pessoa simples? Qualquer um que se defina  diante da vida como "conservador" ou "progressista" (estereótipos).
Condenaria ele a  vida pós-moderna e seu hino ao individualismo "hard" (porque, ao final,  defenderia a vida familiar e o casamento) ou, ao contrário, defenderia  ele mulheres que só pensam na carreira e que fazem de seus maridos que  ganham menos do que elas coitados traídos (porque elas estariam colhendo  os merecidos frutos "benignos" da emancipação feminina contra séculos  de opressão)?
O roteiro é quase didático (digo como qualidade  positiva) ao expor a insignificância desta oposição "conservador x  progressista" quando se trata de narrar o estrago moderno sem qualquer  possibilidade de cura ou retorno.
Há um desfile de temas típicos  do debate contemporâneo: família, amor, valores morais, falta de  vínculos, conflito de gerações, seres humanos como mercadoria no  capitalismo selvagem e impacto das mídias high-tech. Clooney é um típico  pós-moderno feliz: "I like to travel light" ("gosto de viajar leve",  credo pós-moderno, "viajar" aqui significa "viver"). Isto é: sem  vínculos.
Seu personagem, além de viajar pelo país demitindo  gente (o que, no filme, marca a condição miserável da vida sob o regime  capitalista), faz conferências motivacionais para ajudar as pessoas a  viverem com poucos vínculos e descobrirem que essa vida "light" é a  melhor.
Uma mulher (como sempre, quando se trata de homens que  gostam de mulheres) será o principal agente de sua queda. Ela porá o  modo de vida de nosso pós-moderno bem-sucedido sob xeque-mate,  juntamente com pequenos dramas familiares e mudanças no seu cotidiano de  trabalho que lembram a ele sua própria efemeridade. Ela o derrotará  quando ele se apaixonar e buscar vínculos. O filme destrói sua tese do  pós-moderno "light" e feliz.
Mas calma aí! Tampouco o filme  narra a redenção do pós-moderno egoísta pelas mãos de suas irmãs ou pela  "bela" vivência do amor. Ao contrário, o papel do amor aqui é de  destruir a bela vida pós-moderna, sem deixar nada no lugar.
Antes  do amor, ele se deliciava em ser livre e sem vínculos, depois, ele  vagará pelos aeroportos e hotéis como alguém que sabe que o amor faz  mal: os casais podem sim ser infiéis e as famílias neuróticas, ridículas  e solúveis em água. Ele já sabia disso, apenas teve a prova na carne.  Mas não terá sido em vão: pequenos gestos de generosidade marcarão seu  amadurecimento.
Enfim, a consciência tirou de nosso herói a  leveza que toda forma de ignorância carrega, mas não trouxe felicidade,  como sempre. É um filme de gente grande.



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